Mistura de agrotóxicos
encurta vida e altera comportamento de abelhas
Associação
entre inseticida e fungicida derruba em até 50% o tempo de vida destes insetos
polinizadores
Estudo
mostrou que dose não letal de inseticida clotianidina reduz em até 50% o tempo
de vida dos insetos; uso associado com o fungicida piraclostrobin altera
comportamento das operárias e pode comprometer a colmeia.
Um novo
estudo realizado por biólogos brasileiros sugere que o efeito dos agrotóxicos
sobre as abelhas pode ser maior do que se imagina. Mesmo quando usado em doses
consideradas não letais, um inseticida encurtou o tempo de vida dos insetos em
até 50%. Além disso, os pesquisadores observaram que uma substância fungicida
considerada inofensiva para abelhas alterou o comportamento das operárias,
tornando-as letárgicas – fato que pode comprometer o funcionamento de toda a
colônia. Os resultados da pesquisa foram publicados na
revista Scientific Reports, do grupo Nature.
O
trabalho foi coordenado por Elaine Cristina Mathias da Silva Zacarin,
professora na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus Sorocaba.
Também participaram pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e
da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. A
investigação contou com apoio da Fapesp, da Capes e da Cooperativa dos
Apicultores de Sorocaba e Região (Coapis).
Agricultura
brasileira é dependente de polinizadores ameaçados de extinção Queda
acentuada de polinização gera impacto na agricultura
É um fato
conhecido que diversas espécies de abelhas estão desaparecendo em todo o mundo.
No Brasil, o fenômeno tem sido observado desde pelo menos 2005. E não estão
desaparecendo apenas os indivíduos da espécie Apis mellifera, abelha de
origem europeia e principal responsável pela produção comercial de mel. Nas
matas brasileiras, há centenas de espécies selvagens possivelmente afetadas. O
impacto econômico previsto é imenso, pois grande parte da agricultura depende
do trabalho de polinização realizado por esses insetos. É o caso, por exemplo,
de todas as frutas comestíveis.
A causa
do sumiço repentino em massa também já é conhecida: a aplicação indevida e
indiscriminada de defensivos agrícolas. “No Brasil, as monoculturas de soja,
milho e cana dependem do uso intensivo de inseticidas. A contaminação das
colônias de abelhas ocorre quando, por exemplo, os agricultores não respeitam
uma margem de segurança mínima (são recomendados 250 metros) na aplicação de
defensivos agrícolas entre as lavouras e as áreas florestais que as margeiam.
Tem gente que aplica produtos químicos até o limite da floresta”, disse o
professor Osmar Malaspina, da Unesp de Rio Claro.
“Na
Europa e nos Estados Unidos, as colônias de abelhas morrem aos poucos. Desde a
constatação inicial da morte das primeiras abelhas até a morte da colônia pode
levar um mês ou até cinco meses. No Brasil não é assim. Aqui, as colmeias
desaparecem em apenas 24 ou 48 horas. Não existe nenhuma doença capaz de matar
uma colmeia inteira em 24 horas. Só inseticidas podem provocar isso”, contou o
docente.
Uso associado de defensivos
Segundo
Malaspina, testar em laboratório todos os mais de 600 tipos de ingredientes
ativos em inseticidas, fungicidas, herbicidas e acaricidas usados no Brasil é
impossível. Para contornar o problema, entre os anos de 2014 e 2017, foi
realizado um estudo para identificar, dentre os 44 ingredientes ativos mais
usados na agricultura paulista, quais poderiam estar relacionados à mortalidade
das abelhas. Foram detectados oito ingredientes com ação comprovadamente letal
para os apiários.
A equipe
do projeto coletou material em 78 municípios paulistas. Trabalhando com os
apicultores, os agricultores e a indústria de defensivos, os pesquisadores
recomendaram uma série de ações para proteger apiários, como a observação de
margens de mínima segurança na aplicação de agrotóxicos e de boas práticas
agrícolas.
“Já
descobrimos que um determinado tipo de fungicida, que quando aplicado de modo
isolado no campo é inofensivo às colmeias, ao ser associado a um determinado
inseticida se torna nocivo. Não chega a matar as abelhas como os inseticidas,
mas altera o comportamento dos insetos, comprometendo a colônia”, disse
Zacarin.
Os
ingredientes ativos investigados foram a clotianidina, inseticida usado para
controle de pragas nas culturas de algodão, feijão, milho e soja, e o fungicida
piraclostrobina, aplicado nas folhas da maioria das culturas de grãos, frutas,
legumes e vegetais.
Qualquer
agrotóxico em grandes concentrações dizima colmeias quase imediatamente. Mas o
que os pesquisadores estudam são os efeitos sutis e de médio a longo prazo
sobre as colmeias, como as concentrações residuais encontradas no pólen das
flores. “O que nos interessa é descobrir a ação residual dos agrotóxicos, mesmo
em concentrações baixíssimas, sobre esses insetos”, disse Zacarin.
Mudança
de comportamento
Os testes
foram todos feitos in vitro, com insetos confinados dentro de
laboratórios para não ocorrer contaminação ambiental. Nessas condições, larvas
de Apis mellifera foram separadas em grupos diferentes e alimentadas
entre o terceiro e o sexto dia de vida com uma dieta composta de açúcar e
geleia real. O que variou foi o tipo de ingrediente tóxico presente no
alimento, sempre em concentrações diminutas, na faixa de nanogramas
(bilionésimos de grama).
A dieta
do grupo controle não continha agrotóxico. No segundo grupo, a dieta foi
contaminada com o inseticida clotianidina. No terceiro grupo, a contaminação
foi por fungicida (piraclostrobina). E, no quarto grupo, havia uma associação
do inseticida com o fungicida.
“Depois do sexto dia de vida, as larvas se
tornam pupas e entram em metamorfose, de onde emergem como operárias adultas.
No campo, uma abelha operária vive em média 45 dias. Em laboratório, confinada,
vive menos. Mas os insetos alimentados com a dieta contaminada pelo inseticida
clotianidina em baixíssima concentração apresentaram tempo de vida
drasticamente menor, de até 50%”, disse Zacarin.
Já entre
as larvas alimentadas com a dieta contaminada apenas pelo fungicida
piraclostrobina não se observou nenhum efeito sobre o tempo de vida das
operárias. Isso não significa que a substância seja inofensiva às abelhas.
Nenhuma morreu na fase de larva e de pupa. Porém, verificou-se que, na fase
adulta, as operárias sofreram modificação em seu comportamento. Elas se tornaram
mais lentas do que os insetos do grupo controle – o que, no meio ambiente,
poderia prejudicar o funcionamento de toda a colônia.
“As
operárias jovens fazem inspeções diárias na colmeia, o que as leva a percorrer
certa distância. Elas se movimentam bastante dentro da colônia. Verificamos
que, no caso das abelhas contaminadas tanto pelo fungicida sozinho ou associado
ao inseticida, a distância percorrida e a velocidade foram muito menores”,
disse Zacarin.
Ainda não
se sabe de que forma o fungicida age para comprometer o comportamento das
abelhas. “Nossa hipótese é que a piraclostrobina, quando associada a um
inseticida, diminuiria o metabolismo energético das abelhas. Novos estudos em
andamento podem vir a elucidar esse mecanismo”, disse Zacarin.
Peter
Moon /Agência Fapesp